TRÉGUA DE NATAL DE 1914
2014 - 100 ANOS DA PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL
Estamos comemorando o centenário da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), como passou a ser definida pela historiografia, ou a Grande Guerra, como foi apelidada na linguagem popular, devido ao cenário de devastação e morte que trouxe consigo e ao abismo de desespero e desatino provocado por um conflito que penetrava como uma faca no coração da civilização europeia, a da Belle Epoque, que se acreditava finalmente isenta de violência e ódios nacionais. Um conflito, com efeito, que mobilizou milhões de pessoas, tanto moradores de cidades quanto simples camponeses, de França, Reino Unido, Alemanha, Áustria, Rússia, mas também Itália e estados balcânicos, entre outros. E que se caracterizou, desde seu começo, como uma longa, extenuante e alucinante guerra de posição, tendo as trincheiras como cenário principal.
O inimigo presente a poucas centenas ou dezenas de metros, vigilante como você, prendendo a respiração como você, lutando contra fome, frio e ratos, como você, entre uma rachada de metralhadora, um cigarro e uma carta para casa. A vida de trincheira, de um lado e do outro, apresenta os mesmos dramas e os mesmos ritos de sobrevivência.
Homens, afinal, iguais em seus desejos últimos e em suas esperanças, mesmo que trajando uniformes diferentes ou falando idiomas diversos.
É disso, deste fundamental e universal sentimento de humanidade e de seu componente religioso, o reconhecimento de valores que ultrapassam qualquer divisão e inimizade, que trata o filme Feliz Natal (2005), produzido por vários países europeus e dirigido pelo francês Christian Carion. A inspiração do longa lhe vem de fatos realmente ocorridos no front ocidental, em ocasião do Natal de 1914, o primeiro Natal de guerra. Na véspera e ao longo do dia 25 de dezembro daquele ano, com efeito, soldados de ambas as partes em luta saíram das opostas trincheiras da front ocidental, entre França e Alemanha, em vários pontos de seu traçado, para confraternizar. Trocas de pequenos objetos, cigarros e chocolate, conversas e celebrações religiosas, cantos natalinos e até partidas de futebol
disputadas na terra de ninguém, como é chamado o espaço entre as trincheiras inimigas, caracterizaram aquela que recebeu o nome de trégua de Natal. Simples soldados e oficiais participaram dos eventos, que não foram programados mas que se produziram espontaneamente em vários pontos da linha de fogo, apesar de não ter recebido aprovação sucessiva pelos altos comandos militares.


Realmente foi uma noite mais feliz. E a mensagem do longa, apesar de certa retórica presente, mostra como, ao menos no começo da guerra, naqueles primeiros meses, o sentimento e a consciência presentes em boa parte dos combatentes das linhas de frente fossem de repúdio por um conflito percebido como absurdo e tragicamente inútil.
As tréguas não se repetiram nos anos seguintes. A guerra de trincheira deu espaço a batalhas que foram autênticas carnificinas. Outros Natais passaram, a razão de Estado vencera. Mas provavelmente no próximo ano, no dia de Natal, junto à cruz dedicada à trégua de Natal de 1914, em Ypres, Bélgica, alguém se encontrará para lembrar de um fato inusitado e singular.
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